Em quatro anos que escrevo aqui [no Facebook] essa é a primeira vez que não escreverei para publicar um medalhista de ouro. É a crônica de Antonio Prata que talvez alguns tenham lido, outros não, e o faço pelo momento do país, já que é uma visão do Brasil que vale a pena pensar, compartilhar, debater, aprender. Se alguém pensar que Prata não é bom, não convém a unanimidade, mas a crônica é um retrato do Brasil. Escrevi unanimidade e sonho que na hora H o povo entenda que o voto será entre os defeitos da civilização e o terror do autoritarismo armado. A medalha de ouro que Prata conquistou se deve à união do humor com o analítico, ora psicanalítico; mas paro de escrever, pois daqui a pouco embalo e sigo, sugiro lerem uma das melhores crônicas que li esse ano. Primavera chegando e a esperança sorrindo.
Imbrochável
Eu, Antonio Prata, brasileiro, branco, heterossexual e cisgênero, venho por meio desta pedir desculpas pelo comportamento de certo colega brasileiro, branco, heterossexual e cisgênero que, por uma série de infelicíssimos acidentes históricos, veio a ser eleito presidente do Brasil. Não que através dos séculos a turma do recorte demográfico supracitado tenha construído um portfólio, digamos assim, respeitável. Da escravidão à pizza de sushi —passando pelo Borba Gato e, pior, pelo monumento do Borba Gato—, foi quase tudo culpa nossa. Mas em algum momento do século 20 parecia que ia melhorar. Pega aí um Caetano Veloso, um Carlos Drummond de Andrade, um padre Júlio Lancelotti: são confrades que trazem esperança à infame categoria.
Acontece que para ser Caetano, Drummond ou padre Júlio é preciso ter coragem e coragem nunca foi uma virtude na média do homem brasileiro, hétero, branco, cis. Pelo contrário. Apesar de termos dominado a brincadeira do Oiapoque ao Chuí (ou por isso mesmo), das capitanias hereditárias aos 51 imóveis comprados com dinheiro vivo, não fomos capazes de desenvolver nem sequer um grama de segurança ou autoestima. Somos crianças mimadas e medrosas. Canto de Ossanha feito carne.
O macho brasileiro é um impotente.
Só um impotente – existencialmente impotente, intelectualmente impotente, espiritualmente e fisicamente impotente – é capaz de subir num palanque, diante de uma multidão e gritar “imbrochável! Imbrochável! Imbrochável!”.
Ostentações de virilidade dão vergonha alheia. É deprimente ver um fortão fazendo o muque diante dos outros. Mais deprimente ainda é ver um fracote tentando o muque. Bolsonaro é isso, sempre foi, um fracote mostrando o muque que não tem. Vira e mexe ele se deita e finge fazer flexões. Os braços ficam parados e a cabeça sobe e desce feito uma galinha ciscando. Suas ameaças golpistas são como a flexão de pescoço. Sem força para governar, ameaça o golpe. Sem força pra erguer o corpo, chacoalha a cabeça. Bota na conta a misoginia, mais os Rider, mais o cercadinho e o choro no banheiro: é toda uma liturgia da impotência.
Os estrangeiros talvez não entendam de onde vem tamanha insegurança. Explico. Por estes costados há um mito fundante: a base para uma vida digna é um pau grande. E a família Bolsonaro… Bem, basta dizer que o apelido do Zero Dois é Eduardo Bananinha.
Tivessem nascido num país menos maluco, tivessem lido meia dúzia de livros, visto filmes ou feito análise, teriam compreendido melhor as parcas relações entre o tamanho de seus órgãos sexuais e uma caminhada proveitosa na breve passagem pelo cosmos. Mas não. São uns ignorantes atormentados com suas bananinhas. Daí precisam de canos por todos os lados. Cano de pistola, cano de fuzil, cano de escapamento de moto, cano de tanque, cano da arminha de mão. Entre eles, um charuto jamais será somente um charuto.
Centenas de milhares de pessoas devem ter morrido na pandemia porque o infeliz é inseguro com o tamanho do pau. Para ele, submeter-se a qualquer restrição, respeitar qualquer lei é uma ameaça à sua fragilíssima virilidade. Não entende que o pacto social é um ato de grandeza, um acordo entre adultos para não cairmos na guerra de todos contra todos. Ele (incapaz de se garantir entre adultos) quer a guerra de todos contra todos, porque só quando segura o fuzil, o fuzil duro, o fuzilzão ereto, a ponto de bala, o pobre diabo se sente consolado na profunda insegurança com o pipizinho. É trágica e patética essa pororoca: a herança de 500 anos somada à ausência de uns cinco centímetros. A todos vocês, minhas mais sinceras desculpas.
Publicado no Facebook do autor, 16.09.2022
–
Ilustração: Mihai Cauli